Desejada pelos filhos e temida pelos pais, a adolescência é considerada, por muitos, como fase negativa, conturbada e tempestuosa, cheia de adaptações complexas, difícil de ser tolerada. Ao mesmo tempo, ninguém questiona a inevitabilidade de tal período na vida do ser humano em desenvolvimento. É como se fosse absolutamente necessário assumir certas posturas negativas durante essa fase.
A rebelião, por exemplo, é aceita na adolescência como normal. Acredita-se mais nisso do que no evangelho do Reino que denuncia a rebelião como raiz de todo pecado, como atitude que requer arrependimento. Quantos comportamentos pecaminosos são absolvidos quando se aplicam a adolescentes!
Será que essa concepção é correta ou um sinal de contaminação mundana dentro da igreja? A adolescência, como se apresenta hoje, é uma criação de Deus ou uma invenção de homens?
O que é a adolescência?
Se pesquisarmos nos dicionários, encontraremos a origem da palavra “adolescente” no latim adolescere: “que se desenvolve, cresce”. Há, porém, uma explicação mais complexa. Cito, a seguir, um estudo apresentado recentemente:
A palavra adolescente tem uma origem etimológica dupla. Se, por um lado, significa crescer, por outro, possui a mesma raiz da palavra adoecer, do latim adolescere. Esses significados, até mesmo contraditórios, são capazes de ilustrar a instabilidade emocional que caracteriza essa etapa da vida, mesclando desenvolvimento e regressões que, muitas vezes, podem dificultar um estabelecimento claro das fronteiras entre o normal e o patológico nessa fase da vida (COSTA, 2002).[1]
Para a psicologia naturalista, a adolescência é uma fase de transição natural e universal entre a infância e a idade adulta. Julga que todo ser humano tem esse período registrado em sua natureza, em sua genética. Sendo assim, não importam fatores externos, culturais, históricos ou sociais: toda criança será adolescente antes de ser adulta.
Sua principal característica seria a puberdade, incluindo todo o conjunto de mudanças físicas causadas pelas intensas variações hormonais iniciadas no final da infância. Alterações de voz, crescimento de pelos, definição da forma do corpo, desenvolvimento dos órgãos sexuais e outras transformações desencadeiam uma nova forma de percepção de si mesmo, do outro e do mundo.
A essa mudança de percepção, associa-se uma nova mentalidade e um conjunto de comportamentos característicos resultante. O ser fisicamente diferente induz a uma busca de identidade e autoafirmação que gera as pressões e os conflitos causadores dos chamados problemas da adolescência. Assim se explicam a insegurança, a instabilidade e a tendência à rebelião, bagunça e irreverência que caracterizam essa idade.
Para a maioria das pessoas, essa psicologia está correta. Pais e igreja, de maneira geral, aceitam e até se preparam para enfrentar a adolescência. Mas o que realmente faz parte da fase de transição e o que poderia ser evitado?
Adolescência: uma invenção recente?
Pode vir como choque para quem está tão acostumado à existência da adolescência como se apresenta hoje, mas nem sempre foi assim. Na verdade, a adolescência foi descrita como fato social somente em 1976 (ERICKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1976). É evidente que ela já existia há mais tempo, mas a formulação do conceito científico se deu apenas naquele ano.
Um exame minucioso demonstrará que as características sócio-históricas que levaram à formulação desse conceito foram, na verdade, terríveis consequências da degeneração da família.
A família sempre fora o ambiente de maior vínculo afetivo na sociedade. Havia um ambiente naturalmente seguro para a criança crescer e tornar-se um homem ou uma mulher. A partir da revolução industrial, o pai deixou a casa (ou cultura agrícola na proximidade da casa) para trabalhar na indústria. Depois, a mãe também passou a ser requisitada. Os filhos eram deixados em escolas onde passaram a construir um grupo social próprio com características afins. As novas tecnologias de produção geraram a necessidade de mão de obra especializada. Com isso, os jovens tinham de passar mais anos na escola e cada vez menos tempo em família.
Esse processo de desestruturação familiar relacionado à revolução industrial gerou, dessa forma, uma comunidade de jovens sem referência. Como amadurecer convivendo apenas com pessoas nas mesmas condições de maturidade e com os mesmos conflitos? Ali nascia a adolescência, caracterizada por um longo período de indefinições provocadas pela perda do ambiente em que essas definições viriam naturalmente. Sem pais como referência de homens ou mães como referência de mulheres para conduzirem os filhos com segurança e tranquilidade à idade adulta, cada nova geração sentia-se mais confusa e perdida que a anterior.
O que vemos hoje, portanto, não se trata de uma fase determinada geneticamente, mas de uma realidade produzida por mudanças sociológicas.
Muita informação sem preparação
A mudança nas tecnologias de informação é outro fato histórico pertinente. As informações a que temos acesso determinam nossos interesses e ações. Há quatro séculos, o mundo infantil era bem distinto do mundo adulto. Havia assunto de criança e assunto de adulto. As conversas de um não eram permitidas no ambiente do outro.
Essa distinção era mantida pelos valores sociais vigentes e fortalecida pela incapacidade que a criança tinha de ter acesso à informação. Para saber o que os adultos sabiam, a criança teria de ler, já que as informações eram compiladas graficamente. Como não sabiam ler ou não tinham acesso aos livros dos adultos, o mundo imaginário das crianças era preservado até que adquirissem a chave para entrar na sala de leitura e descobrir o mundo dos adultos.
As crianças iam tomando conhecimento de fatos e conceitos de maneira mais coerente com seu desenvolvimento. O saber estava mais associado ao porquê e para que da informação. A leitura exigia desenvolvimento cognitivo para ser compreensível. E esse desenvolvimento acabava sendo uma boa referência para determinar o que seria apropriado para a criança aprender.
Com a revolução gráfica, as imagens tomaram o lugar da escrita e passaram a unir os dois mundos. Uma criança pode, por exemplo, no intervalo de um programa infantil, assistir a uma terrível cena de violência numa manchete de telejornal. A imagem transmitirá conceitos e sensações sem nenhum impedimento. É dessa forma que as crianças têm acesso a coisas com as quais não são capazes de lidar. Quantos pais têm se surpreendido com o que os filhos sabem sobre sexo mesmo sem jamais terem conversado com eles sobre o assunto! Muitas vezes, os filhos, além de saberem, também fazem muitas coisas que não deveriam.
O adolescente de hoje é produto dessa realidade. Ele tem acesso a tudo, mas não sabe lidar com muitas coisas porque ninguém o instruiu. Ele reivindica o direito de fazer qualquer coisa porque já tem conhecimento, mas se nega a assumir as consequências do que faz porque não se considera maduro o suficiente.
A informação que a criança recebe precisa ser coerente com sua formação. Ela precisa ter valores e princípios antes de ter conceitos e habilidades. Ninguém deve dar uma arma a uma pessoa que não reconhece os riscos de utilizá-la. A mídia tem feito exatamente isso. Imagens de estímulo à sensualidade e à violência passam o tempo todo diante dos olhos de nossas crianças. Uma geração inteira está sendo instruída para o mal enquanto os pais estão ausentes em seus empregos. Ficam satisfeitos porque os filhos estão “seguros” na frente dos computadores ou jogos eletrônicos.
A adolescência de hoje, portanto, não é uma fase natural. Ela existe, porém é preciso compreender que surgiu como uma construção histórico-social. Há mudanças legítimas durante o desenvolvimento de uma pessoa, mas isso não torna todos os problemas legítimos.
O que acontece em outras culturas?
Uma breve pesquisa é suficiente para se perceber que a longa e dolorosa transição da adolescência é vivida de forma bem diferente em outras culturas. Em algumas, a idade adulta chega por meio de um mero ritual de passagem. O desafio, o sofrimento e a responsabilidade são elementos frequentes nesses ritos.
No Alto Xingu, um jovem da etnia yawalapiti passa a ser considerado adulto quando sua pele é arranhada até sangrar com o uso de dentes de peixe. Meninos da etnia xhosa, na África do Sul, tornam-se homens maduros após uma circuncisão.
Os filhos e filhas de judeus são recebidos como homens e mulheres responsáveis pelos seus atos após uma cerimônia de bênção: Bar Mitzvah (menino) e Bat Mitzvah (menina).
Por que, no mundo não influenciado pela cultura ocidental, a fase de transição é tão diferente? Por que, de maneira geral, no meio dos povos orientais que ainda mantêm uma estrutura familiar valorizada a adolescência é mais curta e menos traumática? Esses são apenas poucos de muitos exemplos que poderiam ser considerados.
Adolescência e problemas familiares
Por que não se falava em adolescência há cinco décadas? Por que os índices de violência aumentaram tanto? Por que os problemas ligados à atividade sexual também cresceram?
É evidente que essas perguntas têm muitas respostas. Quero salientar, entretanto, que os fenômenos citados acima surgiram juntamente com a adolescência. Os dados a seguir[2], por se referirem ao momento e a um dos lugares onde “nasceu” a adolescência (Estados Unidos), sugerem algumas respostas.
Os pais se divorciam hoje duas vezes mais do que 20 anos atrás e, consequentemente, mais crianças são envolvidas em dissolução matrimonial. Foram 1,018 milhão de casais em 1979 em comparação com 562 mil em 1963.
Em 1950, 10,9% dos domicílios americanos tinham só um dos pais. Hoje, já são 22%. Isso demonstra que os americanos começaram a ter menos filhos e a passar menos tempo junto com eles para criá-los.
Também em 1950, os adultos (acima de 15 anos) cometeram delitos graves numa taxa 215 vezes mais alta que a dos crimes praticados por crianças. Em 1979, essa proporção era apenas 5,5 vezes maior. Isso não foi porque a taxa de criminalidade entre os adultos diminuiu; na verdade, aumentou três vezes entre 1950 e 1970. O que explica a diminuição da desproporção entre a quantidade de crimes cometidos por crianças e por adultos é o assustador aumento da criminalidade infantil. Entre 1950 e 1979, o índice de crimes cometidos por pessoas com menos de 15 anos aumentou 11.000% (isso considerando só crimes graves: assassinato, estupro, roubo, assalto).
O início da puberdade no sexo feminino vem caindo quatro meses por década nos últimos 130 anos. Em 1900, a idade média em que acontecia a primeira menstruação era de 14 anos, ao passo que, em 1979, era de 12 anos. Essa precocidade do amadurecimento sexual feminino deveria aumentar a atenção na educação sexual responsável, mas não é o que ocorre. É só observar o comportamento sexual atual apontado por algumas pesquisas.
Estudos realizados por uma universidade americana concluem que a frequência da atividade sexual entre adolescentes solteiras, em todas as raças, aumentou em torno de 30% entre 1971 e 1976. Aos 19 anos, 55% delas já haviam tido relações sexuais. Como consequência, os partos em adolescentes passaram a constituir 19% de todos os partos nos Estados Unidos em 1975.
Entre 1956 e 1979, a porcentagem de crianças entre 10 e 14 anos que sofriam de gonorreia aumentou quase três vezes: de 17,7 em cada 100 mil pessoas, passou para 50,4.
O desafio
Os dados acima não podem ser interpretados como normais. Refletem uma realidade (e uma doença) familiar. Considerar adolescência como normal seria considerar também como normais os problemas que surgiram juntamente com ela.
É evidente que não podemos mudar a sociedade como um todo, nem tirar os fatores que geraram todas essas mudanças. Como cristãos, entretanto, também não devemos aceitar os problemas e características da adolescência como inevitáveis.
O que fazer então? Brigar com os adolescentes, como se fossem causadores de todos esses problemas? Tentar fugir do mundo em que vivemos, reproduzir as condições de um ou dois séculos atrás? Copiar uma dessas culturas diferentes nas quais a transição para a fase adulta é mais suave?
Quais são os fatores e princípios que poderão nos ajudar a resgatar esse período tão vital e importante na vida dos nossos filhos e dos adolescentes e jovens que estão à nossa volta? O que é genético e o que pode ser alterado quando as condições dos lares e igrejas forem alteradas?
[1] Natália de Cássia Horta (em dissertação do Curso de Mestrado da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, 2006)
http://www.enf.ufmg.br/mestrado/dissertacoes/Nat%E1lia%20de%20C%E1ssia%20Horta.pdf
Veja também em outro trabalho: http://www.fundamentalpsychopathology.org/anais2006/4.69.3.1.htm
Indicação de leitura complementar:
“Adolescências Construídas”, Ed. Cortêz, de Sergio Ozella (Organizador).
Nice looking blog, it is all about Jesus:)
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